Em debate na OAB, desembargadora Maria Helena se manifesta contra cotas para público feminino
A presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargadora Maria Helena Póvoas, participou na noite desta terça-feira (25/08) de uma mesa de debates durante o evento “A participação feminina na política e em outros segmentos”, realizado pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso. Ao lado de homens e mulheres militantes nas questões de gênero, a desembargadora Maria Helena discutiu o preconceito contra a mulher no mercado de trabalho e nas instituições públicas brasileiras, as cotas femininas nas candidaturas e nos assentos do Poder Legislativo, e as políticas públicas necessárias ao enfrentamento do problema.
Um intenso debate, caracterizado como de altíssimo nível pelos advogados e advogadas presentes, foi estabelecido quando se discutiu a reserva de cotas para o público feminino na política. Participaram desse debate, além da desembargadora Maria Helena Póvoas, o ex-presidente nacional da OAB, Cezar Britto; a vice-governadora do Piauí e conselheira federal licenciada da OAB, Margarete Coelho; a presidente do Conselho Estadual do Direito da Mulher, defensora pública Rosana Leite Antunes de Barros; a juíza titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, Ana Cristina Silva Mendes; a presidente da Comissão de Direito da Mulher, Juliana Nogueira; a ex-superintendente de políticas para mulheres em Mato Grosso, Ana Emília Brasil; a assessora técnica da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, Alana Armeliato; e a presidente da Abrat, Silvia Burmeister.
A desembargadora Maria Helena Póvoas manifestou-se contra as cotas em candidaturas, comprovando com sua experiência no TRE-MT que este sistema “tem sido perverso com as mulheres”. De acordo com a desembargadora, os partidos políticos tem utilizado os nomes de mulheres como laranja, apenas para preencher a cota feminina de candidaturas, sem qualquer orientação sobre a necessidade de se prestar contas de campanha, mesmo quando a candidata não saiu de casa para fazer campanha, ainda que a mesma não tenha recebido um único voto. “Eu tenho sérias restrições às cotas. E explico uma delas de cadeira. As mulheres são usadas como laranjas. Passadas as eleições, os partidos políticos as deixam na primeira esquina. Muitas delas deixam de prestar contas de campanha. Isso traz inúmeras complicações para a vida destas mulheres. Se passar em concurso público, não pode assumir; se quiser tirar um passaporte, não pode tirar; se ela quiser novamente participar do processo político, não pode; e fica também impedida de ser atendida por programas sociais do governo”, lamentou a presidente do TRE-MT.
Ao mesmo tempo que apresentou o problema, a desembargadora apontou a solução. De acordo com ela, é necessária uma alteração na legislação eleitoral vigente, para que o partido passe a responder solidariamente à candidata, quando esta não prestar suas contas de campanha. “O partido tem que responder também, porque no momento em que o partido abandonar a mulher candidata, ele também receberá a sanção”, explicou.
Para a desembargadora Maria Helena Póvoas, é necessário investir na formação política das mulheres antes de se estabelecer cotas ou reserva de vagas para este público. E citou o exemplo do Poder Judiciário de Mato Grosso que, apesar da ausência da política de cotas e da predominância histórica de homens, conta hoje com sete desembargadoras e centenas de juízas. “Enfrentamos muitas barreiras no Poder Judiciário. Mas as mulheres já mostraram que tem capacidade para lutar de igual para igual. Nós não queremos concessão não, nós queremos abrir picada no braço. É isso que nós queremos. É mostrar que somos capazes. E como é que mostramos que somos capazes? Ocupando espaços. A mulher tem que ocupar espaços”, disse Maria Helena, que foi a segunda desembargadora no Tribunal de Justiça.
Ela completou seu raciocínio relembrando sua trajetória como presidente da OAB/MT por dois mandatos. “Quando fui presidente da OAB me vieram com a proposta de fazer uma OAB Mulher. Eu fui contra. Eu disse que aqui nós todos somos profissionais, homens e mulheres, e quem quiser que entre na roda, como profissional”.
O conselheiro federal Cezar Britto e a vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho, discordaram da presidente do TRE-MT. Para eles, a sociedade brasileira ainda não está preparada para viver com total democracia e igualdade de condições sem o estabelecimento de cotas, seja nas universidades públicas ou na política, para afrodescendentes ou para as mulheres. As cotas garantiriam, ainda que à força, o espaço necessário para a ampliação da participação feminina na política. Para a vice-governadora do Piauí, além das cotas para candidaturas femininas, deve haver reserva de vagas para assentos de mulheres no parlamento brasileiro, seja nas Câmaras Municipais ou na federal. A presidente do Conselho Estadual do Direito da Mulher, defensora pública Rosana Leite Antunes de Barros, também defendeu o sistema de cotas femininas.
A exemplo da desembargadora Maria Helena Póvoas, a juíza titular da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar de Cuiabá, Ana Cristina Silva Mendes, se manifestou contra as cotas. Ela contou um pouco de sua trajetória para exemplificar que as mulheres podem ocupar espaços de destaque na sociedade sem o estabelecimento de cotas. De origem pobre, afrodescendente, ex-empregada doméstica, filha de mãe solteira, passou em concurso público para a magistratura há mais de 15 anos e hoje figura como um dos principais nomes para concorrer a uma das vagas no Tribunal de Justiça.
O debate, realizado no auditório da OAB/MT, foi organizado pelas comissões de Direito Eleitoral e de Direito da Mulher e encerrou-se após as 23 horas.